sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Caso Gisele

Segue uma contribuição da Cátedra de Gênero através deste pequeno artigo que a professora Virginia Feix escreveu para responder à polêmica Gisele Bundchen e os comerciais de TV, (hope e sky); sugerindo a utilização da sala de aula para reflexão de temas como este, que afetam diretamente os fundamentos da educação para transformação social. Esta polêmica ganhou grande espaço nos meios de comunicação e importa principalmente porque a publicidade é poderoso instrumento de formação(ou deformação) de valores e necessidades.


Nem despolitização, nem desigualdade: o que vender na propaganda?
Alguns comentários a cerca da polêmica Gisele Bundchen e os comerciais de televisão são de uma ingenuidade questionável pelo nível de despolitização que reproduziram. Quando se afirma que esta discussão é perda de tempo frente a tantos problemas enfrentados pela sociedade brasileira, tem-se a exata medida da ignorância sobre o conteúdo político de conseqüências econômicas e sociais desastrosas para o Brasil e para a humanidade. Erradicar as desigualdades sociais é um objetivo juridicamente estabelecido na Constituição de 1988. A desigualdade de gênero, alimentada e reproduzida acriticamente pelo fetichismo de mercado é uma preocupação das Nações Unidas, estabelecida na meta três do milênio. Depois do enfrentamento da fome e da baixa escolaridade, empoderar as mulheres, é o principal objetivo da ONU. A preocupação justifica-se porque depois de seis mil anos de dominação explicada pela força, ou seja, no plano da natureza; pesquisas e estudos acadêmicos passaram a indicar que para além da diferença física, a desigualdade entre homens e mulheres se estabelece pela razão, no plano da cultura. Justamente no campo da propaganda, da atribuição de valor, que sendo desigual, promove o estabelecimento de relações hierarquizadas. Será tão difícil reconhecer a dimensão política da publicidade na conformação de valores, na transformação de desejos em necessidades? Ou será tão fácil desprezar o conteúdo político suposto na premissa de que para não serem castigadas, ou para convencer os homens, as mulheres devem abandonar o argumento e oferecer seu corpo, incitando a desumanização de ambos em sua condição de seres livres porque pensantes? Será, ainda, tão difícil perceber que o passo seguinte na reprodução dos papéis é a naturalização da violência, necessária para manter o lugar da não razão e a imposição de quem, afinal de contas, manda no pedaço? A violência é responsável por gastos milionários do erário público. Entre custos de saúde, polícia e judiciário, licenças e faltas no trabalho, o Banco Interamericano de Desenvolvimento estima em 10% a diminuição do PIB, no Brasil. Pesquisa recente divulgada pelo IBOPE aponta que a cada 24 segundos uma mulher é espancada. As mulheres brasileiras recebem cerca de 30% a menos que homens para ocupar a mesma função; sem falar nas mulheres negras, que ao acumular o dês-valor atribuído a sua condição étnica, recebem quase quatro vezes menos do que os homens brancos. Então, quando acusam de não ter bom humor aos que questionaram os comerciais, eu me pergunto: como é que em pleno século XXI se estimula como diversão ver as mulheres infantilizadas, vendendo-se aos homens para não serem repreendidas ou castigadas? Penso que já passa da hora das agências de publicidade assumirem compromisso com os marcos regulatórios eleitos pela sociedade brasileira e comunidade internacional e, assim, com novos parâmetros sobre o bom humor. Rir sem saber porque, ou pela desgraça alheia não é garantia de ”felicidade sustentável”.
Virgínia Feix- professora universitária, mestre em Direito, coordenadora da Cátedra de Gênero do Centro Universitário Metodista do IPA